sexta-feira, 14 de março de 2014

Não perturbes a paz que me foi dada



"Agora que o silencio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...

Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada."

Miguel Torga
Imagem: Toni Frissel

quarta-feira, 12 de março de 2014

GOSTO! E não tem nada a ver com isto...



Porquê que decidi ser voluntária?
Por acaso.
Porque já tinha de ser.

Foi por acaso sim.
Pensava como tantas outras pessoas (a maioria), e dizia: "... gostava de ser voluntária para ajudar os outros, mas não tenho tempo pra nada..."

Pois bem, esse tempo foi-me dado, só tive que o aproveitar. E ainda bem que o fiz.
Nunca fui de estar parada (sem trabalho) muito tempo. Preciso de me sentir útil, preciso de me levantar todas as manhas e saber que algo me espera, preciso de ter objectivos e um propósito para viver. Preciso de viver!

Um dia, estando eu na situação de desempregada, arregacei as mangas e todas as manhas o meu objectivo era procurar trabalho. Respondia a anúncios de jornais, entregava currículos em diversas empresas, dirigia-me ao centro de emprego, falava com amigos, recorri a varias juntas de freguesias, centros de formação profissional...sempre ocupada de um lado para o outro. 
Não apareciam respostas de lado nenhum, mas não desisti. Estando eu a percorrer as folhas de jornais e a responder aos anúncios, vi uma solicitação em que recrutavam voluntários para a cruz vermelha portuguesa. Sempre pensei que para ser socorrista teríamos que ter uma formação nessa área e eu não tinha...o que nunca soube foi que eles davam essa formação..."porreiro, disse eu, já que não tenho trabalho, é desta que vou inscrever-me para voluntária, parada é que não posso ficar". 
Tive receio, claro, nunca fui muito segura das minhas capacidades, embora me considere uma pessoa inteligente.
Não foi fácil. Fui a uma entrevista colectiva com cerca de 100 candidatos. De seguida surgiu a entrevista individual com o comandante da Cruz Vermelha e com um psicólogo. Depois reunir todos os documentos necessários, entre eles um registo criminal e um atestado de robustez físico e psicológico. Foi complicado arranjar o atestado, não tinha medico de família e encontrei algumas entraves, pois não arranjava nenhum medico disponível para o passar. Nesta altura, estava prestes a desistir, mas como se diz que quem tem amigos não morre na cadeia...pedi a uma amiga (detesto ter que pedir favores) que trabalha num hospital e ela lá conseguiu que um colega (medico) me fizesse o exame. Porreiro.

Agora vinha a parte mais difícil, a formação. Dei-me conta que já tinha deixado de estudar à 20 anos...ia ser complicado. A formação iniciou em Abril, em Junho arranjei um part-time (através de um amigo) das 18h até às 22h. Entretanto fui chamada para frequentar um curso de formação profissional que iniciava em Setembro. 
Assim sendo, de segunda a sexta feira frequentava o curso das 9h até às 17, de seguida corria para o part-time das 18h às 22h, e a formação na Cruz Vermelha era à sexta feira das 21h às 24h, sábado das 14h às 17h e ao domingo das 9h às 13h. (à sexta-feira saia mais cedo do part-time e compensava as horas sábado de manha). Dá para ver como foi complicado?! Com esforço lá consegui.
Depois de tudo isto...veio o exame final da Cruz Vermelha...juro que nunca me senti tão stressada com um exame. Éramos cerca de 40 socorristas, estivemos na unidade de socorro desde manha. Éramos avaliados em equipa e individualmente pelo formador e por um técnico de Lisboa pertencente à Cruz Vermelha. De manha fizemos o exame teórico, durante a tarde o exame pratico. 
Imaginam a minha ansiedade? O meu grupo era o penúltimo, o exame iniciou às 23h, já tinha visto três colegas serem reprovados... Alivio...Correu bem! Feliz, muito feliz mesmo! Nem conseguia acreditar. É verdade, chorei de tão feliz que estava.

Isto tudo para dizer que adoro ser voluntária, que me dá prazer poder proporcionar momentos menos dolorosos a pessoas que eu não conheço...que adoro poder fazer a diferença num momento em que as pessoas estão tão vulneráveis, num momento em que as pessoas mais precisam de ajuda...Sinto-me bem! 
Quando me perguntam com admiração "...então ganhas mesmo nada? " Respondo com sinceridade: "É claro que ganho.Ganho a satisfação de dever cumprido. Ganho tanto..." A sério, não dá para explicar o que sentimos quando vemos um rosto agradecer-nos com um olhar. Mesmo sabendo que dali a segundos já ninguém se vai lembrar do nosso rosto.

Sou voluntária à mais de cinco anos e quero sê-lo a vida toda (até conseguir ser capaz).
No mês de Fevereiro fui promovida a especialista de emergência principal e recebi uma medalha de mérito, uma dessas que está na imagem, linda não é? Numa cerimónia onde constavam várias individualidades, os nossos familiares e toda a família da Cruz Vermelha da nossa delegação, foi-me entregue pelo meu irmão(que eu fiz questão) a nova insígnia e a medalha. 
Gosto de ser voluntária e não tem nada a ver com isto de receber medalhas...mas foi um momento único, um orgulho ser tripulante de ambulâncias da Cruz Vermelha Portuguesa a maior Instituição Humanitária do mundo.

:)




segunda-feira, 10 de março de 2014

Só a mão, chega!





"Não digas nada, dá-me só a mão. Palavra de honra que não é preciso, dizer nada, a mão chega. Parece-te estranho que a mão chegue, não é, mas chega. Se calhar sou uma pessoa carente. Se calhar nem sequer sou carente, sou só parvo."

António Lobo Antunes


quarta-feira, 5 de março de 2014

Mesmo deste jeito


"Eu adoro o que me deixa inquieta, sair da rotina, dos trilhos, do normal.
Perder o fôlego, a pose, o rumo, o sono, e a paciência.
Tenho preguiça do sossego, ele deixa-me chata, sem sentido...
Quietude somente na alma, o corpo precisa de ouvir os meus vasos sanguíneos e o meu coração pulsar freneticamente todos os dias.
É assim que eu quero! É isso que eu quero para a minha vida!
É assim mesmo. Desse jeito."


Desconheço o autor

segunda-feira, 3 de março de 2014

Fui muito parva...



Eu sabia que não estava minimamente preparada para encontrar a Vitória. A ferida ainda dói. A cicatriz ainda não fechou totalmente. Eu sabia, sentia-o.

A Paula (nossa amiga comum) foi uma querida. Durante o percurso até a casa da Vitória, não fez qualquer comentário ao facto de não nos falarmos.
Subimos juntas no elevador, deixei que ela saísse primeiro. Sentia o coração aos pulos, as pernas tremulas, um ar carregado. Receio...era essencialmente o que sentia. Não me apetecia estar ali, mas sabia que precisava fazê-lo. Pela Vitória, por tudo de bom que tínhamos vivido, por conhecer tão bem a sua fragilidade nesse momento.

A porta abriu-se. O meu receio aumentava, sem tempo de recuar. Avancei. Todo o passado estava de volta naquele momento. Vi um sorriso triste e dois braços abertos para mim (a Vitória não é nada afectuosa, tal como eu), aproximei-me e retribui o abraço. Senti-a fria, tal como ela é, mas disponível. 

Sentamo-nos as três no sofá, um copo de vinho e a conversa foi surgindo...

A Vitória agiu como se nada tivesse abalado a nossa amizade...tratou-me pelo nome carinhoso que só duas ou três pessoas o fazem...perguntou-me tudo sobre o meu trabalho, sobre a CVP, sobre os meus filhos, o meu marido, os meus pais, irmãos, quis saber como é que eu estava...elogiou a minha imagem...lamentou alguns percalços que enfrentei nestes quatro anos... Fui seca, curta e prática nas minhas respostas! Prática!

Eu apenas lhe tentei dar apoio pela perda da sua sobrinha. Ela continua sem aceitar a perda. Não quer perder o contacto com ela...fala-lhe todos os dias, escreve-lhe, conta-lhe tudo o que se passa à sua volta...vive com uma pessoa ausente... A Vitória não está nada bem!
Eu limitei-me a confortá-la, dar-lhe apoio, só, afinal foi esse o propósito do nosso encontro prematuro.

Foi uma sensação muito estranha, por momentos, parecia que não se tinham passado quatro anos e que nunca nos tínhamos zangado, ela agiu como tal. Estava igual, estava tudo igual. Os moveis no mesmo sitio, as paredes pintadas da mesma cor, os copos de vinho eram os mesmos... A mesma Vitória que eu conhecia, o sorriso triste, o olhar intenso que até incomoda, as gargalhadas silenciosas como só ela sabe dar, os mesmos gestos...parecia que só eu tinha mudado.
Eu sentia-me diferente. Sentia-me distante daquele mundo que já não era o meu. Aquelas, já não eram as minhas amigas, eu não as via como amigas. Eu já não queria vê-las como amigas... 
Sempre séria, com um sorriso forçado. Não fiz perguntas, não fiz qualquer observação, não quis saber do seu trabalho, nem tampouco perguntei sobre a sua família...

Tenho pensado  em tudo o que vivemos juntas. Foi bom, foi uma amizade bonita, pura, gratuita. Não consigo descrever tudo de bom que foi a nossa amizade, tudo o que aprendemos uma com a outra, o tão bem que nos conhecíamos, a facto de falarmos só com um olhar, a cumplicidade que existia...tudo! 
Lamento tanto que tudo isso tenha terminado!
Eu estou diferente. Eu mudei. Mais fria em relação à amizade, mais cautelosa, mais na defensiva. Hoje não deixo sequer que algo parecido com amizade se aproxime. Não quero!

Senti medo. Medo de ter a amizade da Vitória de volta. Medo que nos voltemos a aproximar. Medo que volte aquele mundo que já não me pertence. Não quero!

Despedimo-nos cordialmente.

No meu telemóvel tinha uma mensagem da Vitória :
"Bruna, gostei muito de te ver, mas tu estavas tão calada, não disseste quase nada. Para a próxima marcamos um jantar aqui em casa, tudo bem? bjs"

Respondi: "Também gostei de te ver...foi estranho. Ah, eu sou calada. Depois falamos do jantar, bjnhs fica bem"

Eu sabia que não estava preparada!!!