Ando a deambular pela casa. O meu marido dorme, quase de certeza até às 13h, esta semana trabalha de tarde e à noite, e eu que só entro ao serviço às 13h, sinto-me incomodada com o facto de ele estar em casa, mesmo que a dormir. Bem, o bom é que chego em casa logo à noite e ele não está. Próxima semana ele trabalha de manha e eu vou sentir-me livre com a casa só para mim, mas o mau é que quando eu chegar do trabalho vou tê-lo no sofá da sala como que um adorno. Incomoda-me a presença dele, parece que me limita os movimentos. E dou por mim a pensar nisto ao olhar para uma fotografia dele que me vem à mão, quando ele tinha 20 anos.
E penso o que mudou nele que fez com que o meu sentimento por ele mudasse. Creio que não mudou muito desde aquela época, provavelmente quem mudou fui eu. Cansei de tentar dar-lhe brilho à vida.
Ele é uma pessoa muito ponderada, ponderada demais para o meu gosto. Não arrisca, não falha, não é optimista, não se descuida, não se aventura, não se ilude, não tem sonhos, não é materialista, (não aproveita a vida) por pensar demasiado no dia de amanha... não sei bem explicar... ele sempre foi assim, eu é que tentava que ele mudasse, que ele vivesse, mas era sempre muito difícil convence-lo a aderir a qualquer coisa que fosse novidade.
Estamos casados quase à 21 anos e se a memoria não me falha, a ultima vez que fomos a um restaurante juntos foi à cerca de 10 anos, porque um amigo dele abriu um restaurante e nos convidou, ele acha que é um gasto desnecessário. Nunca fomos de ferias pelo mesmo motivo e só viajamos em lua de mel porque eu insisti muito com ele para sairmos daqui. Não se atreve a provar qualquer gastronomia que não a típica portuguesa. Não acha piada às novas tecnologias, quando surgiram e eu fui frequentar um curso de informática disse-lhe para ir comigo, mas ele disse que não precisava disso para nada (hoje quando necessita) recorre aos filhos. Não gosta de comprar roupa sem que seja mesmo necessário.
Casamos e toda a despesa que envolve um casamento foi suportada por nós, com alguma dificuldade conseguimos mobilar a casa. Na altura compramos uma mobília de sala já usada (foi a única coisa usada que compramos) ao longo destes anos de casados, montes de vezes que eu falei em troca-la, mas ele diz que esta serve muito bem, que não há necessidade de comprar outra.
Às vezes penso que ele só vê a vida a preto e branco. Ele não vive. Eu juro que tentei dar-lhe alguma cor, mas ele também não permitiu...sinto que ele é uma pessoa triste, mas também não se permite viver o presente, só pensa em trabalhar hoje para não faltar nada amanha (porra, amanha nem sabemos se vamos cá estar).
Sou muito conversadora, e melhor ouvinte. Gosto de pessoas, gosto de comunicar, gosto de tudo que é novidade, gosto de aprender, conhecer coisas novas...gosto de viver.
Sempre que estávamos juntos eu falava sobre o meu dia, ele não conversava sobre o dele sem que eu lhe perguntasse e as respostas eram sempre "sim" "não" e não passava daquilo. Lembro-me que por vezes eu lhe dava alguma novidade do tipo"sabes, a tua irmã esta gravida" ou "o teu irmão regressa hoje da Suíça" "sabias que..." e ele respondia "sim, sabia". Outras vezes contava-lhe qualquer novidade "boa ou má" sobre mim e ele nem reagia...até ao dia em que pensei "foda-se, mas eu estou para aqui a falar e ele nem reage, nem me responde, não diz nada, falo sozinha...ele não me conta nada..." E foi quando eu decidi embirrar. Decidi: "A partir de agora, não falo mais nada senão o necessário." E assim os dois só falamos o que é necessário!
Não quer comprar mobília nova, ok, não se compra. Não quer jantar fora, ok, janto eu. Não gosta de comprar roupa, ok, eu gosto. Não quer aprender, ok, eu quero. Não gosta de sair de casa, ok, eu adoro. Não gosta de se divertir, ok, eu gosto muito. Gosta do preto e branco, ok, eu também, mas gosto mais ainda do colorido.
Estas pequenas coisas e mais algumas, acabaram com o sentimento.
Gosto de viver, é errado?!